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De pião a bolinha de gude, projeto promove resgate de jogos e brincadeiras tradicionais

Ruas, calçadas, praças e os pátios das escolas eram cenários para brincadeiras e jogos que marcaram a infância de gerações inteiras e contribuíam diretamente para processos sociais, motores e emocionais. Com o aumento da violência, urbanização e avanços tecnológicos, parte dessas brincadeiras perderam espaço e entraram em esquecimento. A partir da necessidade de reverter o cenário, um projeto de extensão da Universidade promove o resgate dessas importantes expressões culturais, apresentando brincadeiras e jogos para mais de 500 crianças entre 7 e 13 anos. 

O projeto é executado por estudantes e professores de Educação Física do ߲ݴý do Pantanal, que atuam em três escolas públicas de Corumbá e de Ladário. Em duas sextas-feiras de cada mês, a equipe promove brincadeiras como bolinhas de gude, pião, elástico, pipa e cinco marias, além de cantigas de roda. 

“O primeiro brinquedo escolhido [no começo do projeto] foi o elástico. Criamos uma sequência de desafios motores que foram executados e depois chegamos no jogo propriamente dito. As crianças vivenciaram uma brincadeira do tempo dos seus pais e avós e gostaram. Antes de iniciarmos perguntamos se eles conheciam aquele objeto, se já tinham brincado com ele, uma minoria disse que sim. Durante todo o semestre os alunos realizaram vivências dos jogos. Descobriram que para jogar bolita e cinco marias é preciso coordenação óculo manual. Aprenderam a fazer pipa, muitos já soltavam a pipa, mas compravam ela pronta”, relembra o professor e coordenador do projeto, Rogério Zaim-de-Melo.

O pesquisador afirma que, entre as brincadeiras propostas, o pião foi o brinquedo de maior sucesso. “A partir do momento que eles conseguem rodar o pião, colocar ele na mão, interagir com o brinquedo, aparece nos olhares o brilho de ter conseguido fazer algo que no começo parecia estar muito distante”, conta.

Segundo o professor, o projeto surgiu de uma pesquisa exploratória, também realizada em escolas das cidades, para identificar as brincadeiras que poderiam ser aplicadas, quais eram conhecidas e quais despertavam maior interesse. “Os brinquedos foram colocados em cinco caixas. As crianças abriam a caixa, olhavam o seu conteúdo e respondiam  um questionário sobre o objeto. De posse dos dados, fizemos a análise e verificamos que as crianças não conheciam ou sabiam jogar cinco marias. O elástico era praticado por meninas. O pião eles conheciam, mas nem todos. A bolinha de gude e a pipa foram os mais conhecidos”, ressalta.

O professor enfatiza que jogos e brincadeiras vão além de diversão, sendo também importantes estímulos para o desenvolvimento da criança, do ponto de vista motor, social e emocional. “As crianças de hoje, principalmente em função das mudanças oriundas da modernidade, estão se isolando em suas casas, apartamentos. No pouco tempo livre que elas possuem ficam nas telas, assistindo ou jogando, com pouca interação com outras crianças. Não podemos negar a tecnologia, mas também não podemos esquecer que nessas brincadeiras, as crianças aprendem a ganhar e perder, a resolver conflitos, a esperar a sua vez de jogar”, pontua. 

O estudante de Educação Física e integrante da equipe do projeto, Elielson Felipe Rodrigues Alves, enfatiza a importância de diversificar as atividades oferecidas para as crianças. “Existe uma esportivização das aulas de Educação Física, que são focadas só no vôlei, no futsal. Geralmente a turma fica dividida em dois grupos, os que jogam esses esportes e os que não participam por não saber jogar ou por falta de vontade mesmo. Resgatar brincadeiras e levar isso para escolas é também uma forma de mostrar que há outros conteúdos na área, que acabam sendo coisas novas e interessantes porque parte das crianças nunca ouviram falar em algumas das brincadeiras que propomos”, enfatiza. 

Segundo o estudante, participar do projeto também foi uma oportunidade de refletir seu futuro profissional. “Fazer parte desse trabalho me permitiu refletir sobre outras possibilidades que podem ser trabalhadas nas escolas, pensar na importância de ter uma visão mais ampla do que se pode ser feito como professor, em outras atividades que seriam interessantes resgatar dentro do contexto escolar. Foi uma oportunidade de pensar como conteúdos e diversificação podem contribuir de forma positiva para os alunos”, relata. 

Para o professor Rogério, o resgate de brincadeiras e jogos tradicionais também passa pela mudança de olhar dos adultos. “É necessária uma conscientização daqueles que pensam a educação, entendendo que a criança precisa de um tempo livre para brincar, sem pensar obrigatoriamente na intenção pedagógica desse brincar. Outra maneira é a inserção de políticas públicas que possam construir espaços temporários para brincar nas cidades, como o fechamento de vias públicas durante os finais de semana, ou permanentes, criando bons parques públicos”, finaliza.

Texto: Alíria Aristides

Fotos: Arquivo do pesquisador Gilson Pacola